A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS BRASILEIRAS: ENTRE O IDEAL, O LEGAL E O REAL
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS
BRASILEIRAS: ENTRE O IDEAL, O LEGAL E O REAL
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Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador, BA, Brasil
2 Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador, BA, Brasil
RESUMO: Neste artigo buscamos elucidar como a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é concebida e
materializada a partir do marco legal mais fundamental no Estado de Direito, que é sua Constituição.
Adotou-se a metodologia de análise e compreensão das Constituições Federais brasileiras e dos
documentos oficiais que delas derivam, numa perspectiva qualitativa em um cauteloso processo de
seleção, coleta, análise e interpretação dos dados. Para uma maior compreensão da pesquisa foram
utilizados os pressupostos teóricos de Haddad; Dipierro (2000), Nagle (2001), Paiva (2021), Strelhow
(2012), Beluzo (2015), entre outros. Os resultados da pesquisa revelam que, apesar de o Brasil ter em sua
história republicana sete constituições, o direito básico e subjetivo à Educação para jovens, adultos e
idosos no Brasil não figura no panorama histórico como prioridade, seja nos documentos legais, seja nas
normas ou políticas públicas. Apontam ainda que, mesmo quando existem leis que a assegurem, a
materialização do direito à EJA encontra-se distante do ideal.
Palavras-chave: Constituição Federal; Políticas Públicas; Educação de Jovens e Adultos.
YOUTH AND ADULT EDUCATION (EJA) IN BRAZILIAN FEDERAL CONSTITUTIONS: BETWEEN THE
IDEAL, THE LEGAL AND THE REAL
ABASTRACT: In this article we seek to elucidate how Youth and Adult Education (EJA) is conceived
and materialized based on the most fundamental legal framework in the Rule of Law, which is its
Constitution. The methodology of analysis and understanding of the Brazilian Federal Constitutions and
the official documents that derive from them was adopted, from a qualitative perspective in a cautious
process of selection, collection, analysis and interpretation of data. For a greater understanding of the
research, Haddad's theoretical assumptions were used; Dipierro (2000), Nagle (2001), Paiva (2021),
Strelhow (2012), Beluzo (2015), among others. The research results reveal that, despite Brazil having
seven constitutions in its republican history, the basic and subjective right to Education for young people,
adults and the elderly in Brazil does not appear as a priority in the historical panorama, either in legal
documents or in norms or public policies. They also point out that, even when there are laws that ensure
it, the materialization of the right to EJA is far from ideal.
Keywords: Federal Constitution; Public Policy; Youth and Adult Education.
SciELO Preprints - Este documento é um preprint e sua situação atual está disponível em: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.7686
LA EDUCACIÓN DE JÓVENES Y ADULTOS (EJA) EN LAS CONSTITUCIONES FEDERALES BRASILEÑAS:
ENTRE LO IDEAL, LO JURÍDICO Y LO REAL
En este artículo buscamos dilucidar cómo se concibe y materializa la Educación de Jóvenes y Adultos
(EJA) a partir del marco jurídico más fundamental del Estado de Derecho, que es su Constitución. Se
adoptó la metodología de análisis y comprensión de las Constituciones Federales brasileñas y de los
documentos oficiales que de ellas se derivan, desde una perspectiva cualitativa, en un cauteloso proceso
de selección, recolección, análisis e interpretación de datos. Para una mayor comprensión de la
investigación se utilizaron los supuestos teóricos de Haddad; Dipierro (2000), Nagle (2001), Paiva (2021),
Strelhow (2012), Beluzo (2015), entre otros. Los resultados de la investigación revelan que, a pesar de
que Brasil haya tenido siete constituciones en su historia republicana, el derecho básico y subjetivo a la
Educación de jóvenes, adultos y ancianos en Brasil no aparece como una prioridad en el panorama
histórico, ni en documentos legales ni en normas o políticas públicas. También señalan que, aun cuando
existen leyes que lo garantizan, la materialización del derecho a la EJA dista mucho de ser ideal.
Palabras clave: Constitución Federal; Políticas públicas; Educación de Jóvenes y Adultos.
INTRODUÇÃO
Entende-se por Constituição Federal o conjunto de leis fundamentais que organizam e regem
o funcionamento de um país. É considerada, pois, lei máxima e obrigatória entre todos os cidadãos de
uma determinada nação, servindo como garantia dos seus direitos e deveres.
É a partir da ideia de organização de uma sociedade, do estabelecimento de acordos que
possibilitem a convivência, da capacidade em firmar um compromisso coletivo de coexistir e construir
um sentido de pertencimento que se deriva a ideia de constituição como Carta Magna de uma nação. De
todas as leis que existem em um país, a Constituição é considerada a mais importante delas, pois trata
justamente do fundamento que norteia a proposição e elaboração das outras leis (como devem ser feitas,
por quem etc.) e do conteúdo mínimo que essas outras normas devem ter. Por essa mesma razão é a
referência na configuração dos direitos dos cidadãos da sociedade que a constituiu, situando-se dentre
esses direitos, um dos mais básicos: o direito à Educação.
Por tratar-se da declaração fundante do país enquanto um estado de direitos, a constituição,
assume a cosmovisão de mundo da sociedade que a criou. Assim, a forma como a educação é disciplinada
no documento caracteriza a concepção dessa mesma sociedade sobre o conceito de educação que
defende, sua relevância na construção da própria sociedade e a quem se destinam os direitos por ela
garantidos.
O Brasil, após sua independência em 1822, constitui-se como uma república federativa e,
desde então, tem como Carta Magna os seguintes documentos: Constituição do Império (1824),
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891), Constituição Brasileira de 1934,
Constituição Brasileira de 1937 (apelidada de "Polaca"), Constituição Brasileira de 1946, Constituição
Brasileira de 1967 (proveniente a partir do Golpe Militar de 1964) e a Constituição Federal de 1988 (a
chamada "Constituição Cidadã").
A promulgação mais recente da Constituição Brasileira, no ano de 1988, em seu artigo 208,
define como responsabilidade do Estado o “ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os
que não tiveram acesso na idade própria”. Partindo dessa mesma premissa, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB /9394/1996) torna mais claros os critérios específicos para a Educação de Jovens e
Adultos (EJA), em seu artigo 37, ao estabelecer que a “Educação de Jovens e Adultos será destinada
àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental e Médio na idade
própria”, sendo o papel do Estado assegurar esse direito “gratuitamente aos jovens e aos adultos, os quais
não puderam efetuar os estudos na idade regular. Assim, consolida-se a EJA como direito público e
subjetivo de todos os cidadãos brasileiros e parte integrante da Educação Básica.
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HISTÓRIA DA EJA POR MEIO DAS CONSTITUIÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS:
ENTRE O IDEAL, O LEGAL E O REAL
O propósito deste artigo consiste em destacar de que maneira a Educação de Jovens e
Adultos (EJA) é tratada nas Constituições Brasileiras – desde sua proclamação como república – e quais
leis ou políticas públicas a parametrizam na sua materialização. Procuramos identificar se a EJA é citada
ou não nas constituições, de que maneira essa modalidade é disciplinada e conceituada nos textos e quais
leis ou políticas públicas são desdobramentos de sua existência nas sete Cartas Magnas da história póscolonial do País.
As inquietações acima nortearam a construção deste artigo, e para respondê-las
identificamos, contextualizando sócio historicamente a EJA nas constituições, analisando quais leis ou
políticas públicas são propostas e implementadas a partir desses textos constitucionais, quem é o sujeito
político responsável por garantir a materialização dessas leis e como a modalidade será financiada,
culminando com um resumo geral das informações coletadas.
Isso posto, o presente artigo tem por base a análise e compreensão dos documentos oficiais
que orientam a EJA, numa perspectiva qualitativa em que se adotou um rigoroso processo de seleção,
coleta, análise e interpretação dos dados. No entendimento de que toda análise parte de uma lente
epistemológica, ratificamos que é sob a perspectiva crítico-dialética que faremos o exercício reflexivo para
construir as sínteses conceituais expostas nas páginas a seguir.
Este caminho metodológico e reflexivo é aqui exposto em um panorama histórico que parte
da promulgação de cada Constituição, abordando o contexto sócio-histórico quando da sua publicação,
leis e políticas que se apoiam em seus marcos legais e como o financiamento dessas políticas é estruturado.
Na segunda e última parte estão expostas as considerações finais que resultaram no trabalho reflexivo de
análise proposto nesta investigação.
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: A VISÍVEL INVISIBILIDADE NAS
CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
Para dar validade à construção de uma nação é necessário estabelecer um corpo jurídico
sólido, logo, a promulgação de um documento legal norteador é imprescindível. Normalmente esse
documento é a constituição federal, razão pela qual o Brasil, desde o fim do processo colonizador, tem
como base e fundamento legal suas constituições.
A Constituição Brasileira de 1824 foi outorgada por Dom Pedro I em 25 de março de 1824.
Apesar de aprovada por algumas Câmaras Municipais da confiança de D. Pedro I, é considerada pelos
historiadores como uma imposição do imperador. A primeira Carta Magna brasileira faz apenas uma
menção à Educação, ao definir que “a instrução primária é gratuita para todos os cidadãos” (BRASIL,
1824), além de estabelecer a unidade territorial, a divisão do governo em quatro poderes e estabelecer o
voto censitário (voto ligado à renda do cidadão). Desde esse primeiro documento fica clara uma distinção
ou escalonamento entre os cidadãos, pois explicita que serão considerados cidadãos brasileiros “os
ingênuos” e os livres que nascerem no território nacional.
A partir da Constituição, a Lei Geral relativa ao Ensino Elementar foi outorgada por Dom
Pedro I em 15 de outubro de 1827. Esse decreto converteu-se em um marco na educação imperial,
passando a ser a principal referência, pois tratou dos mais diversos assuntos, e sua maior contribuição foi
a criação, no seu artigo 1º, das Escolas de Primeiras Letras (hoje, Ensino Fundamental). Tais instituições
deveriam ensinar, para os meninos, a leitura, a escrita, as quatro operações de cálculo e as noções mais
gerais de geometria prática. Quanto às meninas, estas eram excluídas do ensino de geometria, deveriam
se dedicar às prendas (costurar, bordar, cozinhar etc.) e à economia doméstica.
Complementar à Constituição, o Ato Adicional de 1834, “marco fundamental e determinante
na organização da educação brasileira", criou as Assembleias Provinciais, cuja função era de legislar sobre
a instrução pública, incluindo pautas como criação de escolas, formação de professores, docência,
inspeção, métodos, conteúdo de ensino, entre outras. Também podiam legislar em relação aos alunos, a
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partir de critérios como gênero, idade, condição de saúde (ser portador de ou sofrer de moléstia
contagiosa) e condição jurídica ou racial (livre, liberto, escravo, ingênuo, preto, filho de africano livre).
Percebe-se por meio de documentos que cada província, a partir dessas assembleias, criavam suas
próprias leis e em praticamente todas elas era vetado o acesso de mulheres, pessoas escravizadas e seus
descendentes. A exemplo, em 1836, quando o Rio Grande do Norte aprovou os estatutos para as
“Primeiras Letras da Província”, ao tratar das matrículas, determinava uma lei para proibir pessoas
escravizadas nas escolas públicas: “Art. 1 - Fica proibido desde já receberem-se nas aulas públicas pessoas
que não sejam livres”.
Um dado importante que precisa ser abordado quanto à educação no Império, apesar de não
ser uma legislação específica do âmbito educacional, é o Decreto nº 3029, de 09 de janeiro de 1881, que
ficou mais conhecido como Lei Saraiva, uma homenagem a José Antônio Saraiva, ministro do Império.
O decreto estabelece, pela primeira vez, restrições ao voto dos analfabetos, inserindo assim novos
elementos na discussão, pois até então o direito ao voto estava vinculado a questões de natureza
econômica e social, mas não especificamente ao grau de instrução do eleitor. Tem-se, assim, colocada em
dúvida a capacidade de discernimento do analfabeto, ao mesmo tempo que evidencia o posicionamento
político sobre quem poderia ter acesso às decisões políticas do País, já que apenas uma pequena parte da
sociedade tinha acesso à educação.
A reforma de 1834 impossibilitou a “unicidade orgânica do sistema educacional”, na medida
em que distribuiu entre pessoas políticas distintas a responsabilidade pela organização e manutenção do
ensino, tanto “fundamental” das primeiras letras quanto do Ensino Superior. O caráter elitista da
educação brasileira foi reforçado nessa época com a preferência que continua sendo atribuída ao Ensino
Superior, cujo acesso era possibilitado apenas aos membros da nobreza e da burguesia.
O primeiro documento legal em que se registra a existência de alguma experiência de
educação de adultos no Brasil Império é a Reforma Leôncio de Carvalho, publicada em abril de 1879,
mais especificamente no Art. 2, inciso 2: § 2º, determinando que os meninos, ao atingirem a idade de 14
anos, antes de haverem concluído o estudo das disciplinas mencionadas no princípio deste artigo, eram
obrigados a continuá-lo, sob as penas estabelecidas, nas parochias onde houvesse escolas gratuitas para
adultos. Porém, essas experiências aconteciam, em sua maioria, no processo de doutrinamento religioso,
transformando a educação não em um direito básico, mas em um ato de solidariedade, conforme relata
Strelhow (2012):
É importante ressaltar que a educação de jovens e adultos era carregada de um princípio
missionário e caridoso. O letramento destas pessoas era um ato de caridade das pessoas letradas
às pessoas perigosas e degeneradas. “Era preciso ‘iluminar’ as mentes que viviam nas trevas da
ignorância para que houvesse progresso”. (Strelhow 2012, p. 3).
Com o fim do Império instalou-se no Brasil a República, que é dividida pelos historiadores
em 3 períodos: República Velha ou Primeira República (1889-1930), Era Vargas ou Estado Novo (1930-
1945) e Nova República (1945 -1964). Nesse longo período da história, a educação brasileira começou a
delinear-se com uma estrutura mais complexa e consolidou a educação pública como mais acessível à
população. O direito à educação foi disciplinado nos artigos 35 e 72 (inciso 6º) da sua nova Constituição,
outorgada em 1891.
Os principais tópicos tratados na Carta Magna referem-se à descentralização e à concentração
das atividades educacionais da União e dos estados. Ficou estabelecida a competência do Congresso para
“o desenvolvimento das letras, artes e ciências”, bem como para a criação de estabelecimento de ensino
nos níveis superior e secundário. Ademais, estabeleceu-se a separação entre Estado e Igreja, no que se
refere à educação, visto que o ensino ministrado nos estabelecimentos oficiais era laico.
O Brasil do início da República era um país eminentemente rural (60% da população), recémsaído de um longo período de escravidão (mais de três séculos até a abolição da escravatura em 1888),
com taxas de analfabetismo da ordem de 75% da população. A Primeira República, ou República Velha,
foi marcada pelo desenvolvimento da indústria, pela reestruturação da força de trabalho – não mais
escravizada –, pelas greves operárias e pela Semana de Arte Moderna, o que ocasionou a formação de
novas classes sociais (a exemplo do funcionalismo público, dos industriários etc.), e novas demandas
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sociais, como direitos trabalhistas, organização das cidades, qualificação de mão de obra, entre outras.
Essas transformações tiveram ecos na Educação, que passa a ter novos atores sociais em sua disputa e,
enfim, começa a delinear a ideia do ensino como direito público.
Apesar de ter criado uma instabilidade institucional nos seus primeiros anos, a mudança dos
regimes não alterou a dominação político-econômica da elite rural do sudeste brasileiro. E mesmo com
o avanço da industrialização e dos processos de urbanização, a situação educacional da população pouco
se alterou nesse novo contexto. Contudo, ao mesmo tempo, foi nesse período que o ensino noturno no
País começou a se intensificar, e assim medidas como escolas noturnas para trabalhadores e instituições
para ensino de ofícios foram aos poucos sendo implementadas. Obviamente não sem disputas, lutas
sociais, conflitos e dificuldades, além de sempre ter um caráter de “salvação” e “regeneração” da massa
de “ignorantes” que compunha a população da época, além de seu controle para proteção da “boa
sociedade”.
Durante todo o período da Primeira República, parecem ter sido os ideais positivistas que
definiram os rumos da Educação e efetivaram as reformas educacionais, em nível nacional. Essas ideias
ganharam força com a reforma de 1890, organizada por Benjamin Constant (1833-1891), chefe do
Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, o primeiro órgão desse nível a se ocupar da
Educação. Propôs mudanças nos ensinos primário (de 7 a 13 anos) e secundário (de 13 a 15 anos) do
Distrito Federal, priorizando disciplinas científicas como Matemática e Física, em detrimentos das
humanas.
No rol dessas transformações, a primeira geração de educadores profissionais do Brasil foi a
grande responsável pela implementação de reformas da instrução pública em vários estados, no que tange
à "Educação Primária”. Em 1922, Sampaio Dória indicou Lourenço Filho (1897-1970) para implementar
mudanças na Educação do Ceará, cuja principal luta tinha como foco a mudança das mentalidades, tanto
da população “humilde” quanto dos professores e da elite. Entre 1924 e 1928, Anísio Teixeira (1900-
1971) foi diretor-geral de instrução do governo baiano e promoveu a reforma do ensino na Bahia, onde
foi rejeitada a solução paulista de um ensino das primeiras letras em apenas dois anos. Em Minas Gerais,
Francisco Campos (1891-1968), a partir de 1926, promoveu uma profunda reforma educacional com
ênfase na formação dos professores. Em Pernambuco, Carneiro Leão, a partir de 1929, também reformou
a Educação, enfatizando a valorização do curso normal.
É necessário sinalizar que por trás desse reformismo educacional estava um movimento de
ideias chamado Escolanovismo, que defendia a ciência, o industrialismo e a democracia. Esses pioneiros
da Escola Nova enfrentaram uma resistência acirrada, e os que se opunham defendiam o ideal educacional
católico caracterizado pelo sobrenaturalismo, a subordinação da educação à doutrina religiosa (católica),
a educação em separado para meninos e meninas, o ensino particular e a responsabilidade da família pela
educação que, princípios estes que, de forma prática, foram implementados nas escolas do País.
No que concerne à Educação de Jovens e Adultos (EJA) da época, a partir de 1893 o ensino
primário, gratuito e leigo passou a ser estruturado em dois níveis: o preliminar e o complementar. Salientase que apenas o preliminar era obrigatório dos 7 aos 15 anos e facultativo até os 16 anos, e entende-se
aqui a complementar como aquela destinada a quem tivesse 16 anos ou mais de idade. As políticas
adotadas nesse período, apesar de não registrarem legalmente uma limitação do acesso à educação para
grupos sociais específicos, seguem na construção de um cenário muito desigual, já que uma parcela
significativa da população se mantinha sem acesso aos espaços educativos. Segundo Nagle (2001), em
1920 o Brasil convivia com uma “quota de 80% de analfabetos”. Na verdade, o autor faz a distinção entre
a “República idealizada”, “teoricamente construída”, e a “República possível”, aquela realizada sob a
pressão das forças sociais do período, Nagle (2001, p.135) assim afirmando: “Ou seja, em que pese os
planos republicanos, quando se chegou ao ano de 1920, a realidade educacional do país era
desanimadora”.
A Era Vargas compreende o período desde a queda da Primeira República do Brasil, em
1930, até o ano de 1945, cujo estabelecimento foi impulsionado pela ascensão de novas forças sociais e
políticas no País com a continuidade dos movimentos sociais, a chegada dos novos imigrantes
majoritariamente europeus, o desenvolvimento industrial e das cidades. A combinação entre a crise na
produção agrícola e o crescente processo de industrialização apontava para um novo modelo de
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desenvolvimento urbano. Esse novo contexto fomentou o surgimento de uma classe burguesa
emergente, que passava a exigir do governo a ampliação da oferta de ensino público e, por outro lado, o
próprio desenvolvimento industrial exigia mão de obra qualificada, isto é, fazia-se necessária uma
formação de recursos humanos visando garantir a produtividade e o crescimento do País.
A Constituição de 1934, terceira do Brasil, foi promulgada nesse período e, apesar de
preservar pontos importantes presentes na Constituição de 1891, incorporou anseios populares de
distintas classes sociais (especialmente a nova burguesia) expressos pelos movimentos que aconteceram
durante os primeiros trinta anos do século XX. Nesse sentido, é importante destacar o surgimento de
uma nova burguesia brasileira, formada pelo fortalecimento da atividade industrial no País. Além de
representar uma ameaça aos cafeicultores, que eram os protagonistas da política e da economia na
República Velha, a ascensão da burguesia industrial representava também um crescimento da classe
operária. Esses operários sofriam com as péssimas condições de trabalho e, conforme conheciam as ideias
anarquistas, socialistas e comunistas trazidas pelos imigrantes europeus, começaram a se organizar para
reivindicar direitos que desencadearam várias greves.
Essa constituição foi a primeira a destinar um capítulo à Educação e a proclamá-la como um
direito de todos. O texto manteve a gratuidade do ensino primário, tornando-o obrigatório, e delimitou
uma parte do orçamento da União, estados, municípios e Distrito Federal, a ser obrigatoriamente alocada
para a manutenção e o desenvolvimento dos sistemas educativos. Além disso, apresentou dispositivos
que buscavam organizar a educação nacional, propondo a criação de um plano nacional de educação e a
organização das redes de ensino nos estados. Foi a primeira vez que houve uma preocupação em operar
um sistema nacional articulado. No artigo 150 do supracitado documento legal no capítulo II: Da
Educação e da Cultura, afirma-se:
Compete à União: a) fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os
graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o
território do País;
Parágrafo único - O plano nacional de educação constante de lei federal, nos termos dos arts. 5º,
nº XIV, e 39, nº 8, letras a e b, só se poderá renovar em prazos determinados, e obedecerá às
seguintes normas: a) ensino primário integral gratuito e de freqüência obrigatória extensivo aos
adultos; b) tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de o tornar
mais acessível. (BRASIL, 1934).
Em 1937 uma nova constituição foi promulgada com texto do jurista Francisco Campos,
tendo fundamentos de ordem mais tradicional e reacionária e com profundas inspirações na Carta Magna
polonesa de 1935, razão pela qual ficou conhecida como a constituição polaca. O objetivo maior do texto
era a restrição de direitos políticos e sociais, de modo que cabia ao presidente nomear os interventores
(governadores estaduais), e estes deveriam nomear as autoridades municipais.
Um capítulo especial para a educação e a cultura (artigos 128 a 134) é mantido no documento
de 1937, entretanto, a obrigação do Estado em matéria de educação fica muito modesta. Assim é que,
logo no início, o artigo 128 afirma ser “dever do Estado contribuir, direta e indiretamente, para o estímulo
e desenvolvimento de umas e de outras favorecendo ou fundando instituições artísticas, científicas e de
ensino”, o que invalida a exigência de um plano nacional de educação. Dessa forma, o financiamento da
Educação por obrigação do poder público é, apenas, destinado àqueles que demonstrarem insuficiência
de recursos para se manter em uma escola particular. Pode-se afirmar que o dever do Estado, prescrito
na Constituição de 1934, agora, na Constituição de 1937, converte-se em uma ação meramente supletiva.
De forma geral, pode-se observar que, do ponto de vista legal, a Constituição de 1934 trouxe
avanços para a Educação, especialmente na sua obrigatoriedade, no entendimento da necessidade de um
plano nacional, na organização de um orçamento e, especificamente na EJA, na citação de pessoas adultas
como destinatárias de ensino gratuito. Mas houve um grande retrocesso em 1937, fazendo com que, de
forma prática, a educação primária, minimamente, seja ofertada aos adultos de forma gratuita. Vale dizer
que também houve alguns avanços nesse período. De acordo com Strelhow (2012), foram criados, em
1938, o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), e a partir de suas pesquisas e estudos foi
fundado em 1942 o Fundo Nacional do Ensino Primário, com o objetivo de realizar programas voltados
à ampliação e à inclusão do Ensino Supletivo direcionado a adolescentes e adultos.
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A Constituinte de 1946 refletiu o momento histórico e social não apenas do País, mas
também do mundo. Terminada a Segunda Guerra Mundial, assinados os acordos de Teerã, Yalta e
Postdam, bem como realizados os julgamentos de Nuremberg, ficaram delimitadas as áreas de influência
americana e soviética em nível internacional. No cenário nacional, 1945 e 1946 foram períodos marcados
por um grande número de greves, com participação de várias categorias, entre elas bancários e portuários,
o que contrariava as orientações do Partido Trabalhista do Brasil (PTB) e do Partido Comunista (PC).
Com a criação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),
logo após o período da Segunda Guerra Mundial, o movimento a favor da EJA ganha destaque
internacional, de forma que:
A UNESCO denunciava ao mundo as profundas desigualdades entre os países e alertava para o
papel que deveria desempenhar a educação, em especial a educação de adultos, no processo de
desenvolvimento das nações categorizadas como “atrasadas”. (Haddad; Di Pierro, 2000, p.111).
É nesse período, em resposta aos movimentos populares e as deliberações da UNESCO, que
o Estado aumenta as suas atribuições e responsabilidades para com a Educação de Jovens e Adultos, pois
representava uma estratégia para acabar com os movimentos e as reivindicações populares. Assim, no
texto aprovado e promulgado em setembro de 1946, o direito à educação foi disciplinado nos artigos 5º,
XV, d, e 166 a 175, mantendo-se nos moldes da Constituição de 1934, na medida em que entende a
Educação como direito subjetivo público. É, pois, à luz desse importante marco legal que é demarcado
o entendimento da Educação, não somente como básico do ponto de vista da cidadania, mas sobretudo
como subjetivo a todos os cidadãos.
No tocante à União, manteve-se a competência para legislar sobre as diretrizes e bases da
Educação nacional, sendo facultado aos estados legislar em caráter complementar. A Carta Magna
estabeleceu, no artigo 168, os princípios que a legislação observava, dentre eles: o ensino primário
obrigatório e em língua nacional; o ensino oficial ulterior para aqueles que provassem insuficiência de
recursos, bem como a manutenção de ensino primário pelas empresas industriais, comerciais e agrícolas
com mais de cem trabalhadores, denotando claramente os objetivos para formação de mão de obra e a
dificuldade de acesso aos ensinos secundário e superior pela população que não podia economicamente
arcar com sua formação. No que se refere aos recursos destinados à manutenção e ao desenvolvimento
do ensino, o artigo 169 daquele texto estabeleceu que a União deveria aplicar pelo menos 10% da renda
resultante dos impostos, e os estados, Distrito Federal e municípios responderiam com 20% de
participação. Finalmente, dividiu-se o sistema de ensino em duas esferas – federal e dos territórios –,
sendo organizado pela União, nos termos do artigo 170.
Segundo aponta o estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1940
havia aproximadamente 16,5 milhões de brasileiros sem as noções básicas de leitura ou escrita e,
possivelmente, sem acesso à escola. Apesar dos avanços conseguidos desde o Império, quando
aproximadamente 80% da população eram analfabetos, paralelamente tem-se uma ampliação das
desigualdades regionais. Há também um marcador relevante na análise do alfabetismo revelado nesse
estudo, qual seja, a diferença do grau de instrução entre os livres e os escravizados.
Provavelmente é a partir das pressões sofridas por órgãos internacionais – por exemplo, a
Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (Unesco) –, que entendiam ser a educação a chave para o desenvolvimento e qualificação de
mão de obra dos países “de terceiro mundo”, e em decorrência dos índices apontados pelo Censo de
1940, que se deu início a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA). Essa foi a primeira
iniciativa governamental para a educação de jovens e adultos no Brasil, assumida pelo Ministério da
Educação e Saúde, a partir de 1947, e tinha por objetivo levar a “educação de base” a todos os brasileiros
iletrados nas áreas urbanas e rurais. A União teve um forte papel indutor, cabendo às unidades federadas
a contratação de docentes, instalação das classes, matrícula dos alunos e supervisão das atividades
desenvolvidas.
Em 1948, o Ministro da Educação, Clemente Mariano, apresentou o anteprojeto da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Com a discussão desse documento, durante o longo período que
compreendeu de 1946 a 1961, constatou-se uma disputa de duas propostas de LDB, que traduziu a
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relação contraditória no âmbito político-econômico, cujo embate aconteceu entre dois grupos: o que
defendia o nacionalismo desenvolvimentista, no qual o Estado seria o carro-chefe no planejamento da
economia, estratégico para o desenvolvimento do mercado nacional, sem a dependência total e asfixiante
do capital externo; e o outro grupo o qual sustentava a tese de que a iniciativa privada seria o mecanismo
eficaz de gerir a economia e a educação institucionalizada, ao objetar qualquer intervenção normatizadora
e fiscalizadora do Estado, tanto na área econômica quanto na esfera educacional.
Quando Juscelino Kubitschek assumiu a Presidência da República, em 1956, praticamente
foram se desativando as campanhas de educação de adultos existentes. Nesse período começa o grande
debate sobre os projetos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que deu origem ao
Movimento em Defesa da Escola Pública, liderado por Florestan Fernandes e outros professores da
Universidade de São Paulo (USP), assim como por Anísio Teixeira.
É, portanto, nesse cenário que surge uma nova referência no panorama da educação brasileira
para jovens e adultos: os Movimentos Populares de Educação. Em 1958 é realizado o 2º Congresso
Nacional de Educação de Adultos no Rio de Janeiro. O mais importante, porém, é o aparecimento de
ideias inovadoras que rompem com o sistema de “Campanhas” de alfabetização e alargam os horizontes
para a compreensão do fenômeno da dificuldade em melhorar os índices de alfabetismo no País. A
delegação de Pernambuco, da qual fazia parte Paulo Freire, defende, em seu relatório, que o problema
do analfabetismo no Nordeste era um problema social, não um problema educacional. Em outras
palavras, era a miséria da população que gerava o analfabetismo.
Com texto final de Anísio Teixeira, tem-se a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB), em 1961, quando os órgãos estaduais e municipais ganharam mais autonomia,
diminuindo a centralização do Ministério da Educação (MEC). Foram necessários treze anos de debate
(1948 a 1961) para a aprovação da primeira LDB. O ensino religioso facultativo nas escolas públicas foi
um dos pontos de maior disputa para a aprovação da lei, logo, o pano de fundo era a separação entre o
Estado e a Igreja. O salário-educação, criado em 1962, também é um fato marcante na história do
Ministério da Educação, e até hoje essa contribuição continua sendo fonte de recursos para a educação
básica brasileira.
Com o golpe da década de 1960, iniciou-se um período longo de exceção do estado de direito,
tendo como governantes os militares brasileiros. A ditadura cívico-militar, que entrou em vigor no Brasil
em 1964, foi um período marcado por extremo autoritarismo, cerceamento de liberdades e repressão
como meios de manter o regime. Convém notar igualmente que, sob a ótica dos grupos dominantes, a
Educação passa a ser instrumento de reprodução da ideologia das classes dominadas, mas, com as ideias
e os valores próprios da classe dominante. Vislumbrando o enorme poder mobilizador da Educação,
ligado ao entendimento de emancipação dos sujeitos, o Estado ditatorial compreendeu que necessitava
agir.
Por esse motivo a Educação, que até então era vista com descaso pelo Estado, ganha nesse
novo cenário prioridade e promoção. Por outro lado, vê-se a intensa perseguição aos educadores que
conduziam esse movimento, a exemplo de Paulo Freire, que precisou exilar-se por longos anos.
Em 1967, uma nova constituição foi aprovada pelo Regime Civil-Militar, sendo retiradas as
características da democracia e concentrados os poderes no Executivo. Com isso, o texto autorizou a
extinção dos partidos políticos e implementou diversas emendas chamadas de atos institucionais. Cabia,
então, ao Estado a responsabilidade pela Educação, da qual faz parte também a Educação de Jovens e
Adultos, que não poderia ser ignorada, pois essa modalidade de ensino representava para o governo um
elo necessário com a sociedade. Assim, no ano de 1967, em pleno governo militar, foi criado o
Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) que, de acordo com Haddad e Di Pierro (2000), passou
a se configurar como um programa que, por um lado, visava atender aos objetivos de dar uma resposta
aos marginalizados do sistema escolar; e, por outro, propunha-se a atender aos objetivos políticos dos
governos totalitários.
A Educação concebida no período ditatorial, que se estendeu até 1985, tinha um caráter mais
tecnicista, ou seja, se desenhava mais para a formação de mão de obra ao mercado de trabalho, realizando
a preparação do indivíduo e suprimindo os esforços anteriores de estímulo à criticidade, ao entendimento
do eu como sujeito de direitos e pertencente a uma classe social.
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É importante destacar que essa Constituição promoveu duas alterações relevantes na política
educacional brasileira. Primeiro, desobrigou a União e os estados a investirem um mínimo, alterando um
dispositivo previsto na Lei de Diretrizes e Bases, aprovada em 1961. E outra importante mudança,
introduzida pela Carta de 1967, diz respeito à abertura do ensino para a iniciativa privada. “Sempre que
possível, o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo,
exigido o posterior reembolso no caso de ensino de grau superior”, previa o artigo 168.
É também dentro do período ditatorial, mais especificamente na década de 1970, que a Lei
nº 5692, de 1971, foi promulgada. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) implantou o Ensino Supletivo para
jovens e adultos, que passou a ser reconhecido como um direito de cidadania, apesar de não ser oferecido
na dimensão necessária para atender à demanda então existente por essa modalidade de ensino. Nessa
perspectiva, o referido decreto trazia as seguintes determinações:
Art. 24. O ensino supletivo terá por finalidade: a) suprir a escolarização regular para os
adolescentes e adultos que não a tenham ou concluído na idade própria; b) proporcionar,
mediante repetida volta a escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham
seguido ensino regular no todo ou em parte.
Parágrafo único: O ensino supletivo abrangerá cursos e exames a serem organizados nos vários
sistemas de acôrdo com as normas baixadas pelos respectivos Conselhos de Educação.
Art.25 O ensino supletivo abrangerá, conforme as necessidades a atender, desde a iniciação no
ensino de ler, escrever e contar e a formação profissional definida em lei específica até o estudo
intensivo de disciplinas do ensino regular e a atualização de conhecimentos. (BRASIL,
1971.Diário Oficial da União - Seção 1 - 12/8/1971, Página 6377 (Publicação Original).
Em 1980, as finalidades do Mobral foram alteradas, anunciando que sua política passaria a
dar prioridade às ações comunitárias e aberturas políticas às experiências de alfabetização que fossem
desenvolvidas de maneira mais crítica. Conforme Beluzo (2015), em 1985 os dados apontavam que o
Brasil já somava cerca de 30 milhões de jovens e adultos analfabetos, e o IBGE afirma que nesse período
o País contava com número superior a 136 milhões de habitantes. Ou seja, a porcentagem de pessoas
não alfabetizadas em relação à população total do País era de quase 26,5%, mesmo após 18 anos de
execução do programa.
Esse modelo somente seria extinto em novembro de 1985, já em um governo civil, do então
Presidente José Sarney, sendo nesse mesmo ano substituído pela Fundação Educar. Essa nova instituição
funcionava como se fosse uma extensão do Mobral, porém com um novo nome e também com
significativa mudança quanto aos métodos de ação.
O processo de redemocratização do Brasil envolve uma série de medidas que ocorreram
entre os anos 1975 e 1985. Trata-se de um período em que, progressivamente, foram novamente
ampliadas as garantias individuais e a liberdade de imprensa, culminando com a eleição do primeiro
presidente civil após 21 anos de ditadura militar. O processo de abertura política iniciou-se no governo
de Ernesto Geisel (1974-1979), de forma “lenta, gradual e segura”, isto é, de maneira controlada e
negociada. Esse processo, contudo, foi composto por momentos de avanço e recuo dos militares, haja
vista que desejavam garantir uma transição controlada sem que os setores mais radicais da oposição
chegassem ao poder.
Foi a partir da reabertura política e a redemocratização do País que a Constituição de 1988,
ainda em vigor no País, começou a ser construída. A Constituição Cidadã, como é conhecida, foi
promulgada em 5 de outubro de 1988 e tornou-se o principal símbolo do processo de redemocratização
nacional. No que concerne à EJA, a legislação prevê o direito à educação para toda a população, inclusive
para aquelas pessoas que não tiveram acesso à escola em “idade apropriada, na infância ou na
adolescência”. De modo inegável, portanto, é dever do governo federal assegurar a oferta pública e
gratuita de educação escolar para jovens e adultos, em conformidade com o previsto no artigo 208 da
Constituição Federal de 1988:
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Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,
assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade
própria; [...]
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;[...]
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas
suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) [...]
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. (BRASIL.
Constituição /1988).
Destacam-se, assim, no Brasil, em meados da década de 1990, dois passos importantes na
consolidação dos direitos educacionais da população: o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB). Cabe a ressalva de que a promulgação da Constituição Federal não teve imediata consequência
para a educação. A proposta da LDB tramitou por oito anos, sendo sancionada em 20 dezembro de 1996,
em cumprimento à Carta Magna, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, no “fechar das
cortinas” para o início do recesso anual do congresso. Esse é o primeiro documento legal a ter registrado
em seu texto o termo Educação de Jovens e Adultos e que passa a defini-la como Modalidade da
Educação Básica.
Já a implantação do Fundef, em janeiro de 1988 e com período de vigência de 14 (quatorze)
anos, tinha como proposta a criação de um fundo de distribuição de recursos oriundos dos impostos dos
estados e municípios, de modo que atendesse ao Ensino Fundamental, com enfoque na valorização do
profissional do magistério.
A Emenda Constitucional nº 14/1996, instrumento fundamental da reforma educacional
realizada nas gestões de Fernando Henrique Cardoso, pode ser considerada no mínimo controversa, se
analisada do ponto de vista da EJA, já que os vetos do presidente a que as matrículas de EJA fossem
consideradas na redistribuição dos recursos do Fundo vão na contramão da garantia do direito explicitado
nos incisos do art. 4º da LDB. Ao desconsiderar as matrículas da EJA no repasse de verbas, o Fundo
marginalizou ainda mais a educação oferecida à população jovem e adulta, mantendo o descaso,
invisibilidade e não prioridade com que essa modalidade de ensino tem sido tratada pelo poder público.
A oferta e manutenção dos serviços da EJA ficaram a cargo de cada Unidade da Federação,
ocasionando o mascaramento das estatísticas, ao informar no censo escolar as turmas de educação de
jovens e adultos como turmas regulares do Ensino Fundamental. Outra estratégia muito utilizada no
período foram os programas filantrópicos desenvolvidos no campo do enfrentamento ao analfabetismo,
a saber: Alfabetização Solidária, Recomeço e Educação na Reforma Agrária.
No entanto, a luta pela EJA continuava, e como resposta às pressões feitas por movimentos
sociais, fóruns, associações, sindicatos e cidadãos exigindo resposta e ações frente à necessidade dos
cidadãos brasileiros que não acessaram a educação pública, e que por esse motivo não terminaram, ou
nem sequer acessaram seus percursos formativos nela, surge o Programa Alfabetização Solidária (PAS).
De acordo com os documentos oficiais, a prioridade do programa era levar alfabetização aos municípios
que apresentavam os maiores índices de analfabetismo, situados nas Regiões Norte e Nordeste, para que
chegassem pelo menos à média nacional.
Já no ano 2000, em atenção à LDB são publicadas as diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação de Jovens e Adultos em 10 de maio de 2000, sob a relatoria do Professor Carlos Roberto
Jamil Cury. Mais que normatizar e regulamentar, esse documento pode ser considerado um marco, visto
que supera a concepção de suplência e aligeiramento do ensino, amplamente utilizada e difundida até
poucos anos atrás, e legitima o direito por uma educação de qualidade.
O texto apresenta em seu corpo um histórico cuidadoso (inclusive sob o aspecto legal), para
fins de contextualização e compreensão das especificidades da modalidade, reitera a EJA como um direito
subjetivo, atribui o número de cidadãos desassistidos desse direito às falhas do Estado em garanti-lo a
todos, indistintamente, na construção socioeconômica e histórica do País e define o conceito e função
da EJA. Esse Parecer redefine a EJA, ao entendê-la como uma dívida social não reparada para com os
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que não tiveram acesso e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, e
foram submetidos à força de trabalho empregada na constituição de riquezas nacionais e, portanto, sua
função seria reparadora, equalizadora e qualificadora.
Em 2001, a partir da LDB e das diretrizes curriculares, Fernando Henrique Cardoso publica
o Plano Nacional de Educação em 09 de janeiro de 2001, na compreensão de que “os déficits do
atendimento no Ensino Fundamental resultaram, ao longo dos anos, num grande número de jovens e
adultos que não tiveram acesso ou não lograram terminar o Ensino Fundamental obrigatório” (BRASIL,
2000, p. 47). Por essa razão estabelece 26 metas, dentre as quais destacam-se: 1. Estabelecer, a partir da
aprovação do PNE, programas visando a alfabetizar 10 milhões de jovens e adultos, em cinco anos e, até
o final da década, erradicar o analfabetismo. 2. Assegurar, em cinco anos, a oferta de educação de jovens
e adultos equivalente às quatro séries iniciais do ensino fundamental para 50% da população de 15 anos
e mais que não tenha atingido este nível de escolaridade. Infelizmente essas metas não foram alcançadas.
Por fim, houve a instituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), criado pela Emenda Constitucional nº
53/2006, regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, em substituição ao
Fundef, que vigorou de 1998 a 2006. E, mais recentemente ainda, tem-se a Lei n.º 14.113, de 25 de
dezembro de 2020, que regulamenta o denominado novo Fundeb, de que trata o art. 212-A, da
Constituição Federal, que passou a considerar as matrículas da modalidade EJA, para fins de repasse dos
recursos aos entes da Federação.
Com o novo Fundeb, a modalidade EJA tornou-se presente na política de fundos de
financiamento da Educação, levando à expectativa de que essa medida resultaria na ampliação da oferta.
No entanto, o texto traz uma limitação de apropriação da EJA em relação ao total do Fundeb, que não
poderia ultrapassar um teto percentual máximo. Diante disso, Machado (2009, p. 26) questiona: “O que
significaria a matrícula de EJA não poder ultrapassar 15% de toda a matrícula no interior no Fundeb em
cada sistema?”. Ainda que apenas no aspecto simbólico, esse poderia ser um fator a inibir o investimento
em EJA.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao estabelecermos um panorama de como a EJA se constitui histórica e socialmente no
Brasil, podemos inferir que essa modalidade de ensino apresenta uma trajetória de exclusão de uma parte
significativa da população desde seus primeiros desenhos. Poucas leis e políticas públicas foram
elaboradas, a fim de assegurar o pleno exercício da cidadania por todos os cidadãos brasileiros, refletindo
os muitos embates na defesa de uma Educação Pública de Qualidade por distintos atores sociais, seja nos
movimentos sociais, seja na luta de educadores, intelectuais, juristas e parlamentares, em contraposição à
ação de outros atores que sempre trabalharam na manutenção dos status quo de uma sociedade
estruturalmente oligárquica, burguesa, classista, xenófoba, racista e machista na busca da defesa da
continuidade de seus privilégios.
Por essa razão fica claro que a existência de uma base legal, por mais fundamentada que
possa ser, não garante o pleno acesso à cidadania e à ambiência favorável que assegura o acesso aos
direitos adquiridos, como reforça Paiva (2021):
Ao tempo em que no mundo a educação vem sendo tomada como um direito humano, mais do
que, apenas, direito social, a conquista no aspecto jurídico, entre nós, continua não garantindo,
na prática, esse direito. A letra da lei não consegue alterar o jogo das relações políticas e dos
programas governamentais que vêm excluindo, pelas opções que realizam, uma dupla vez os
brasileiros já excluídos na infância, negando-lhes o atendimento, o reconhecimento de serem
cidadãos de direito, a “chance” renovada do saber sistematizado da cultura escrita que organiza
a vida nas sociedades grafocêntricas. (Paiva 2021, p.24).
Após quase dois séculos, e discorrida toda esta narrativa sobre como a EJA se constitui
historicamente desde o Império até o fim do século XX, no Brasil, pode-se afirmar que há um
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substancioso lastro legal e um conceito bastante claro do que é a EJA e como ela deve ser no cotidiano
dos sujeitos que são, ao mesmo tempo, o objetivo maior de sua existência e os que a realizam.
Entretanto, três aspectos se sobressaem e superam essa possibilidade de uma EJA sonhada
nos inéditos viáveis de educandos e educadores. Primeiro, a clara divisão social que permite ou proíbe o
acesso dos cidadãos aos bens sociais do Brasil, inclusive ao direito básico e subjetivo à Educação. Depois,
em decorrência da fragilidade da cidadania de quem são os sujeitos da EJA, o lugar secundário que ocupa
na formulação, legalidade e implementação de marcos legais, garantia de direitos e políticas públicas para
a modalidade. E, por fim, a capacidade de resistência, adaptabilidade, inventividade e a dialogicidade, que
só podem ser explicadas pelo caráter dos sujeitos que a compõem.
Por essa razão a construção da EJA no Brasil é sempre um movimento, um processo
inacabado, de tensionamentos, cessões e resistências, conquistas legais e perdas reais. Isso porque, ao
longo da história do Brasil, os sujeitos que compõem a EJA vivem essa dinâmica diuturnamente. É na
luta e pela luta que garantem a obviedade dos direitos que já são seus, mas que precisam tensionar para
se materializarem. São aqueles que não estão nomeados nas narrativas sobre a construção da EJA, que a
fizeram real e que continuam a fazê-la. São os que foram legalmente proibidos de estudar no Império, os
que nem foram contabilizados no censo da República, os que aparecem no Estado Novo como os que
não podem arcar com seus estudos, os sujeitos a quem se “destinavam” as campanhas de alfabetização,
os que formaram os círculos de cultura e mostraram novos caminhos, os perseguidos e cerceados de
liberdade, os que lutaram pelo direito de votar novamente e até deram a vida por isso. Essa é a dívida
histórica a que se refere o Parecer nº 11/2000. É para sua descendência que urge implementar, de fato,
essa EJA ainda utópica, mas completamente viável, que é reparadora, equalizadora e qualificadora.
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