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A literatura de Primo Levi para a formação omnilateral no estágio de licenciandos em Química

 A LITERATURA NA FORMAÇÃO DE LICENCIANDOS EM QUÍMICA 

Diversos autores têm inserido a literatura em contextos de ensino-aprendizagem de ciências, sendo o estágio um locus pouco explorado, bem como a formação de professores em geral (LIMA e RICARDO, 2015). A defesa da presença de textos literários na formação de professores de ciências é feita por autores como Lima e Ricardo (2015), Francisco Junior, Andrade e Mesquita (2015) e Avraamidou e Osborne (2009), pautada em obras como a literatura infantil de Monteiro Lobato, em Serões de Dona Benta, e de Jandira Mansur, em O frio pode ser quente?, e na literatura de entretenimento, como Ponto de Impacto, de Dan Brown. Benite, Benite e Morais Júnior (2009) argumentam que a literatura na formação de professores pode humanizar as ciências e auxiliar na discussão sobre a natureza da ciência. Silveira e Zanetic (2016), por sua vez, defendem que textos literários trazem discussões relacionadas à humanização da ciência e nem sempre tais discussões estão presentes em textos específicos de ciência. É fato que a literatura também pode fomentar discussões no âmbito pedagógico (SILVEIRA; ZANETIC, 2016), principalmente no que tange à natureza e à especificidade da ciência (PIASSI, 2015). Essas referências da área são fundamentais, embora sejam incipientes na perspectiva de integração entre ciência e literatura. Contudo apostamos que seria possível ampliá-la com a utilização de outro tipo de obra e de referencial teórico. Pautados nessa perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica, apoiamo-nos no conceito de formação omnilateral e na literatura do químico e escritor Primo Levi para explorar novas possibilidades na formação de professores, especificamente nos momentos do estágio. A concepção de formação omnilateral, central para essa teoria pedagógica, articula-se a essas discussões ao defender uma formação integral que abarca conteúdos clássicos, filosóficos e artísticos com o intuito de desenvolver uma transformação na concepção de mundo do aluno, visando a transformação da sociedade (DUARTE, 2016; SAVIANI; DUARTE, 2010). Assim, este relato tem como objetivo apresentar a experiência formativa baseada no livro A tabela periódica, de Primo Levi, na formação inicial de professores de Química em dois contextos formativos de estágio distintos, pautados nos pressupostos teóricos da Pedagogia Histórico-Crítica.

A LITERATURA DE PRIMO LEVI E A FORMAÇÃO OMNILATERAL 

Primo Levi (1919-1987), italiano de família judaica, é químico de formação e foi preso em 1944 pelos nazistas e levado para Auschwitz, um complexo de campos de concentração (LEVI, 1994). Após essa vivência traumatizante, Levi começou a escrever literatura de testemunho, inaugurando sua profissão literária com o livro É isto um homem? (1947). Nos seus testemunhos é evidente a influência da sua formação nas ciências naturais, uma vez que descreve de modo objetivo, claro e analítico as dolorosas vivências na prisão. Essas características estão presentes em muitas obras do químico e escritor, que também escreveu romances, contos, ensaios e poemas. A partir de Maciera (2019), entendemos que Levi teve uma formação mais ampla, filosófica e humanística, de origem familiar e escolar, e que também foi marcada e influenciada pela experiência desumanizadora em Auschwitz. O autor indica que Levi, em sua casa, tinha contato com diversos autores, inclusive os clássicos, e com livros de divulgação científica. O liceu e a universidade também desempenharam um papel fundamental na sua vasta cultura científica, que se evidenciava, por exemplo, em suas entrevistas, nas quais o autor tratava de temas diversos, rompendo as barreiras disciplinares. Com base em Antonello (2009), Maciera (2019, p. 101) afirma que Levi apresenta em sua literatura híbrida “[...] a significativa e peculiar capacidade de conjugar literatura, ciência, técnica; arte, conhecimento e trabalho manual; capacidade natural de se servir de todas as lentes das quais o estudo, a cultura, a formação, a curiosidade, as leituras dotaram-no”, o que, no nosso entendimento, evidencia a potencialidade de sua obra em promover o desenvolvimento de uma formação omnilateral em âmbito educacional. O livro no qual a Química e o trabalho do químico são mais explorados é A Tabela Periódica, publicado na Itália em 1975. Maciera (2019, p. 113) aponta que esse não é apenas um livro que funde a Química e a literatura, uma vez que se trata de uma obra escrita por “[...] ‘um químico’, com a vocação latente de Primo Levi de contar a própria vida”, observado que o fato de os 21 capítulos serem intitulados com o nome de elementos químicos é exemplo ilustrativo de “[...]sua relação com a química e com a vida e, de maneira mais geral, do homem com o seu trabalho [...]”. Em 2006, A Tabela Periódica foi premiado pela Royal Institution of Great Britain como o “melhor livro popular de conteúdo científico de todos os tempos”. Quando se trata do trabalho educativo, diversos são os obstáculos que dificultam o desenvolvimento de uma formação mais ampla, humanizadora e transformadora, em função dos discursos e segmentos hegemônicos que derivam de uma visão de mundo neoliberal, fragmentada, de adaptação ao mercado, de polarização no indivíduo, subjetivista e fenomenológica (DELLA FONTE, 2011; SOUZA, 2018). Saviani e Duarte (2010, p. 423) indicam que a formação omnilateral tem como objetivo a formação integral do ser humano, com a finalidade de transformação da base material, e apontam para “a importância da filosofia para a formação do homem e, consequentemente, também para a formação do educador”. Para eles, o docente deveria ter conhecimentos sobre o homem e os conteúdos clássicos ou, conforme Saviani (2011, p. 13), o que se busca é a formação de um “professor culto”, que, diferentemente de um professor técnico, é aquele “[...] que domina os fundamentos científicos e filosóficos que lhe permitem compreender o desenvolvimento da humanidade e, a partir daí, realiza um trabalho profundo de formação dos alunos a ele confiados”. Apostando que as riquezas artísticas educam subjetivamente, promovendo posições intervencionistas sobre fenômenos humanos, Duarte (2016) destaca o papel da intencionalidade educativa e o desenvolvimento de todos os sentidos humanos por meio da valorização de vários campos artísticos. Em busca de uma aproximação da formação dos licenciandos em Química de uma formação humana omnilateral, escolhemos Primo Levi, por ser químico e por apresentar evidências de ter sido fruto de uma formação omnilateral. Optamos pelo seu livro A Tabela Periódica por entendermos que se trata de uma obra rica no campo da literatura e da Química, com potencial de transformar a individualidade de cada estudante químico, levando em conta a luta histórica humana e a humanização da Química retratadas na obra. Na sequência, descrevemos os procedimentos metodológicos e as discussões de duas experiências formativas de estágio curricular supervisionado na Licenciatura em Química que utilizaram essa obra.

PRIMEIRA EXPERIÊNCIA FORMATIVA DE ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO: GRUPOS SOCIALMENTE EXCLUÍDOS EM UMA DISCIPLINA ELETIVA INTERDISCIPLINAR

 A disciplina “Currículo, Linguagens e Avaliação no Ensino de Química” faz parte da grade curricular do curso de Licenciatura em Química da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) e se divide em um componente teórico e um estágio curricular supervisionado, oferecidos concomitantemente. Em 2018, partindo de um projeto de extensão e de uma parceria com uma escola do Programa Ensino Integral, da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, o estágio da disciplina foi desenvolvido na escola Jardim Buscardi, de Matão/SP, com auxílio de um aluno bolsista e contando com a parceria dos professores de Português, Ciências e Geografia. Juntos, planejamos uma disciplina eletiva interdisciplinar, destinada a alunos do Ensino Médio, que a partir de obras literárias tratava de questões sobre grupos socialmente excluídos, como as mulheres, os negros e os judeus. Na primeira aula da disciplina da graduação, a fim de estimular os licenciandos a escreverem narrativas autobiográficas e de familiarizá-los com o que seria trabalhado durante o estágio, apresentamos a eles o químico e escritor Primo Levi e sugerimos uma leitura inicial de alguns capítulos do livro A Tabela Periódica. As narrativas autobiográficas são amplamente adotadas na formação de professores, possuem características próprias e sua escrita costuma ser estimulada com algum material (BAROLLI et al., 2001; BUENO, 2002; PINEAU, 2006). Os licenciandos realizaram o estágio assistindo às aulas, registrando observações em seus diários, auxiliando no desenvolvimento da disciplina, atuando diretamente com os estudantes de nível médio, e articulando suas tarefas e apontamentos com as aulas teóricas. Inicialmente, a turma da eletiva foi dividida em três grandes grupos temáticos, conforme a identificação por um dos grupos socialmente excluídos. Em seguida, cada grupo foi subdividido em três subgrupos, conforme a escolha por uma área de pesquisa — literatura, Química, contexto social. Cada um dos nove subgrupos elaborou uma questão de pesquisa e contou com um estagiário-orientador para auxiliá-lo no processo de desenvolvimento da pesquisa. Neste trabalho, centraremos nossa atenção nas três licenciandas que trabalharam com a temática “Judeus”. Na Figura 1, ilustramos as divisões e subdivisões com foco nos subgrupos com questões de pesquisa relacionadas aos judeus. 

Transcrevemos, a seguir, um dos trechos do capítulo “Cério” que mais marcou os alunos durante a leitura: Havia feito várias tentativas no laboratório. [...] comera a metade deles, e verdadeiramente saciavam a fome, mas tinham um sabor tão desagradável que renunciei a vender o resto. [...] Também me esforcei por ingerir e digerir a glicerina, baseando-me no raciocínio simplista de que, sendo esta um produto da cisão dos graxos, deve ser metabolizada e fornecer calorias de algum modo; e talvez fornecesse, mas à custa de desagradáveis efeitos secundários (LEVI, 1994, p. 141). A partir da temática destacada, relacionada à fome nos campos de concentração, cada subgrupo elaborou uma questão de pesquisa com auxílio de sua orientadora, que era responsável por guiar as pesquisas e trazer materiais de consulta, discussões e, no caso do subgrupo da Química, no qual a orientadora Patrícia construiu em conjunto com os alunos um calorímetro com caixa de leite, materiais para experimento. Após a conclusão das pesquisas, os três subgrupos se uniram novamente como um grupo temático para articularem seus resultados e definirem como a síntese poderia ser  apresentada. Um dos formatos sugeridos foi a escrita de um texto de divulgação científica expondo os resultados dos subgrupos. O processo de escrita contou com a participação dos alunos do grupo “Judeus”, das três orientadoras e do bolsista, sendo revisado pela professora de Português. Apresentamos na Figura 2 o texto de divulgação científica que foi produzido.

Com a experiência do estágio e o texto produzido, percebemos que as licenciandas precisaram constantemente recorrer a conteúdos que não se limitavam ao âmbito da Química, pois o texto possui elementos sociais, históricos e literários, além da experiência não estimular só a leitura, mas também a escrita. A síntese das pesquisas evidencia “[...] que o caráter contraditório do desenvolvimento das ciências está inserido no processo histórico de desenvolvimento do gênero humano, que tem até aqui sido impulsionado pela luta de classes” (DUARTE, 2016, p. 107), a exemplo do fato de haver laboratórios dentro do campo de concentração e Levi ter sobrevivido, entre outras causas, por ser químico e por tentar amenizar a fome com base no seu conhecimento sobre Termoquímica e Bioquímica. A articulação que as orientadoras precisaram estabelecer entre as áreas para auxiliarem os alunos favoreceu uma compreensão mais ampla e articulada do mundo, permeada por uma temática tão urgente como os direitos humanos. Isso se deveu não apenas ao fato de a eletiva ter promovido uma dinâmica interdisciplinar com uma temática humanística, mas também porque a obra de Primo Levi apresenta essas mesmas características, como discutido por Maciera (2019), o que evidencia a importância da escolha das obras pelos docentes (DUARTE, 2016). Por esses motivos, entendemos que essa proposta aproximou a formação das licenciandas a uma formação omnilateral. 

SEGUNDA EXPERIÊNCIA FORMATIVA DE ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO: CONSTRUÇÃO DE UMA EXPOSIÇÃO MUSEOGRÁFICA 

A disciplina anual “Estágio Curricular Supervisionado: Metodologia e Prática de Ensino de Química” também faz parte da grade curricular do curso de Licenciatura em Química da UNESP, embora de uma estrutura anterior à vigente. Ofertada em caráter emergencial para a última turma dessa estrutura curricular, suas aulas ocorreram em 2019, aos sábados. Considerando a especificidade e a relevância dos espaços de educação não-formal e de experiências com a educação em museus, optou-se por oferecer os estágios de observação e as atividades práticas dessa disciplina nos museus e centros de ciências. Assim, os licenciandos puderam visitar alguns desses espaços não-formais e, partindo de um conjunto de ações educativas, propusemos o planejamento, a montagem e funcionamento monitorado de uma exposição sobre a vida e a obra de Primo Levi. No primeiro encontro, os licenciandos foram orientados a escrever uma narrativa autobiográfica e, assim como na primeira experiência relatada, indicamos a leitura de Primo Levi para discutirmos sobre relatos literários e, assim, inspirá-los e engajá-los na escrita de suas narrativas e na temática da exposição. Em suas narrativas, os licenciandos foram orientados a destacar sua relação pessoal com a ciência, com a literatura e com os ambientes não escolares de ensino. Além disso, foi solicitado que eles produzissem um texto após cada  encontro abordando o que tinha sido discutido na aula,suas percepções e suas dúvidas. Esses textos fizeram parte dos seus portfólios. No primeiro semestre de 2019, ocorreram as visitas aos museus e centros de ciências visando analisar a presença e a abordagem da Química nesses espaços, com o intuito de desenvolver nos alunos percepções e escolhas relacionadas à exposição museográfica proposta. Para planejar a exposição, procuramos “ambientá-los” ainda mais com a literatura de Primo Levi por meio de um encontro exclusivo para apresentação de sua vida e obra, sua linguagem, os conteúdos químicos e temáticas abordadas, além da leitura de mais textos do autor. Após estabelecermos que a exposição teria seis seções, decidimos nos concentrar na criação de uma “Tabela Periódica Interativa”, em MDF, que teria relação direta com a obra A Tabela Periódica de Levi. Para isso, dividimos entre os alunos a leitura dos capítulos do livro e destinamos um encontro à discussão e à escrita de uma breve descrição desses textos, contemplando uma seleção de excertos que eles consideravam mais representativos em relação aos conhecimentos químicos e as relações e questionamentos suscitados pela leitura. Foi a partir dessas leituras e discussões que os alunos definiram os conteúdos dos cards que poderiam ser encontrados nas gavetas da Tabela referentes aos elementos dos capítulos do livro. Também foi a partir delas que os licenciandos escolheram e sugeriram alguns conteúdos, artes e excertos que fizeram parte das outras seções, como uma arte inspirada no ciclo do carbono, retratado no capítulo “Carbono”, ou ainda um excerto do capítulo “Potássio”, que aborda o ato de destilar, junto ao qual foi exposto um destilador. Na Figura 3, apresentamos algumas imagens da exposição intitulada “Um quimiscritor no museu: ciência, literatura e direitos humanos com Primo Levi”, inaugurada em outubro de 2019 no Centro de Ciências de Araraquara. Com a leitura dos textos dos portfólios, buscamos por elementos representativos e definimos três núcleos de significação, entendidos como contributos das atividades na formação humana e profissional dos licenciandos, nos quais conseguimos identificar indícios de uma aproximação com uma formação omnilateral. A seguir, apresentaremos cada um desses núcleos seguidos de excertos dos textos que explicitam cada um deles. Optamos por usar nomes fictícios para nos referirmos aos graduandos, de forma a garantir o seu anonimato. i) Nova percepção da relação entre ciência e literatura [...] por que não relacionar a literatura com a Química? Levando em consideração as obras de Primo Levi, pode-se perceber que a relação é bastante significativa, e a forma com que ele articula a Química e sua autobiografia deixa claro que a literatura pode ser, sim, um instrumento de formação auxiliar. (Fabi – aula sobre a vida e a obra de Primo Levi) Ele descreve as aulas do professor relacionando de forma poética a Química e as características da aula, revelando bem o seu modo de descrever momentos, situações da sua vida com base na sua visão química. (Eliza – aula sobre produção de conteúdo da exposição) Entendemos que esses trechos dão indícios de uma formação omnilateral na medida em que revelam o reconhecimento, por parte dos licenciandos, de uma Química menos fragmentada e que, embora cada área tenha a sua especificidade, ambas – ciência e literatura – pertencem a uma totalidade de múltiplas articulações do conhecimento e da sociedade. ii) Percepção ampliada sobre o ofício do químico Para nós enquanto químicos, que conseguimos apreciar a beleza descritiva do processo de destilação, o autor menciona que a mudança do estado físico do benzeno “comporta-se como uma metamorfose: de líquido a vapor (invisível), e desce novamente a líquido; mas neste caminho duplo, para cima e para baixo, atinge-se a pureza” [excerto do capítulo “Potássio”]. Além disso, explora-se que se é um processo demorado que levou 2 dias para ser executado até a obtenção da pureza desejada e isso permitiu que ele pensasse em outras coisas da vida: “Destilar é bonito. Antes de tudo, porque é um ofício lento, filosófico e silencioso, que te mantém ocupado, mas deixa tempo para pensar noutras coisas, um pouco como andar de bicicleta” [excerto do capítulo “Potássio”]. (Carol – aula sobre produção de conteúdo da exposição) Percebemos que a leitura desse capítulo pode transmitir uma visão mais ampla do trabalho do químico em um laboratório. A partir de um procedimento rotineiro, a destilação é associada a ações cotidianas e ao ato de filosofar, de tal forma que suscita uma visão da Química como uma ciência capaz de abarcar sensações, lembranças, ações cotidianas e reflexões, ou seja, uma relação com o trabalho não apartado da vida real, na tentativa de aproximação de um trabalho humanizado, em contraposição à abordagem dada pela sociedade capitalista, na qual o trabalho é alienado e pode ser superado quando se torna atividade autorrealizadora, “[...] que é a única forma de o indivíduo se efetivar como um ser genérico, isto é, um ser conscientemente representativo do desenvolvimento alcançado pelo gênero humano” (SAVIANI; DUARTE, 2010, p. 429). iii) Possibilidades de articulação entre a literatura e a ciência no ensino de Química Essa atividade nos propôs várias discussões, sendo uma extremamente interessante para mim, que é como podemos articular a literatura de Primo Levi com a sala de aula. Por já ser professor de Ensino Médio, me senti atraído em trabalhar sua obra dentro da sala de aula, o que me fez conversar com a [nome da estagiária de docência da disciplina] sobre o desenvolvimento de um trabalho para levar a obra para meus alunos. (Bruno – aula sobre produção de conteúdo da exposição) Além disso, acredito que ao final dessa disciplina, conseguiremos trazer maiores contribuições de Primo Levi para a área do ensino de Química, pautados na relação direta com o conteúdo científico. (Carol – aula sobre produção de conteúdo da exposição) Notamos que os licenciandos, além de ampliarem sua concepção acerca da relação entre a Química e a literatura, também perceberam que essa relação pode ser abordada na Educação Básica. Tal percepção pode culminar em ações educativas pautadas em uma visão de mundo menos fragmentada, na direção de uma formação omnilateral, na qual conteúdos científicos e artísticos são campos da produção humana que devem ser apropriados a fim de se possa desenvolver uma visão de mundo crítica nos indivíduos. Mas para que os professores de Química possam promover uma formação omnilateral na Educação Básica, entendemos, a partir de Duarte e Saviani (2010), que esses licenciandos também devem receber essa formação e se apropriarem das concepções de fundo que caracterizam o materialismo histórico. É importante mencionar que, nos encontros iniciais, os graduandos relatavam dificuldade com a leitura. Percebemos que, além de eles não terem o hábito de ler, as disciplinas da graduação não estimulavam outras leituras além dos livros de referência sobre os conteúdos químicos. Essas dificuldades foram sendo amenizadas conforme eles se familiarizavam com a literatura do autor e se interessavam pelas articulações estabelecidas entre a Química e a esfera humana. Com base em Saviani (2011) e Saviani e Duarte (2010), entendemos que um professor de Química culto — professor de Química que foi formado de maneira omnilateral — não é aquele que se apropriou apenas dos conteúdos químicos, mas que se apropriou também de conteúdos artísticos e filosóficos integrados à química e à sociedade. Conforme Saviani e Duarte (2010, p. 423), “[...] se a educação é uma atividade específica dos seres humanos, se ela coincide com o processo de formação humana, isso significa que o educador digno desse nome deverá ser um profundo conhecedor do homem”. Assim, espera-se que um professor culto tenha não apenas o hábito de leitura, mas que também leia conteúdos clássicos diversificados (SAVIANI; DUARTE, 2010). Assim, podemos inferir que a experiência relatada propiciou aproximações para um ensino de Química em uma perspectiva omnilateral. CONSIDERAÇÕES FINAIS Entendemos que as experiências relatadas contribuem para ampliar a reflexão a respeito das aprendizagens possibilitadas e potencializadas no âmbito da formação inicial de professores de Química, especialmente no contexto dos estágios supervisionados. Também contribuem por serem tentativas de aproximação da formação de licenciandos de uma formação omnilateral. Nos dois casos, a vida e a obra de Primo Levi serviram como eixo estruturante das atividades, tanto pelo fato de Levi ter sido químico, e isso possibilitar uma identificação por parte dos graduandos, quanto pela riqueza da literatura do autor, que apresenta uma Química mais humanizada e articulada com outras esferas humanas. Além disso as experiências serviram para estimular o gosto dos licenciandos pela leitura literária, os quais não tinham essas práticas favorecidas em outras disciplinas da graduação. Partindo da perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica, entendemos que, diante das adversidades que a educação encontra em uma sociedade alinhada a uma visão de mundo neoliberal, individualista e relativista (DELLA FONTE, 2011; SOUZA, 2018), conseguir propiciar uma formação omnilateral a licenciandos em Química não é uma tarefa fácil, já que tem como objetivo a transformação da concepção de mundo do indivíduo e a transformação da sociedade (DUARTE, 2016; SAVIANI; DUARTE, 2010). Porém, entendemos que as experiências descritas se aproximaram dessa formação integral e, assim, constituem-se em exemplos que podem e devem ser aprimorados nesse embate que travamos contra a formação de um professor técnico e deficiente de repertório cultural e filosófico e contra a sociedade capitalista.

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