Roberta Melo de A. Abreu3
E nossa história não estará pelo avesso assim sem final feliz. Teremos coisas bonitas pra contar. E até lá vamos viver. Temos muito ainda por fazer. Não olhe pra trás, apenas começamos. O mundo começa agora, apenas começamos. (Renato Russo)
Introdução
O estudo ora apresentado traz a baila a nossa itinerância docente no curso de Pedagogia da Universidade do Estado da Bahia - UNEB/ CAMPUS XV bem como a experiência no componente Estágio Curricular Supervisionado; Inicialmente buscamos em Freire a importância da utopia para justificar a nossa crença na profissão de professor, ao tempo em que nos colocamos avessas à ideias que promovem a desqualificação e ao pensamento derrotista no que diz respeito à carreira do magistério. Para nós, o profissional professor é aquele que tece os fios de um bordado que estará sempre inacabado, e nessa tessitura cada vez vai se aperfeiçoando mais, é aquele que ainda terá sempre muito por fazer, visto que estará sempre recomeçando como belas histórias para contar.
Dessa maneira, postulamos nesse texto a importância da pesquisa e reflexão sobre a prática, ao tempo em que questionamos: Como o estágio curricular supervisionado contribui na pesquisa da prática e na formação do professor? Para tal, elegemos as categorias: estágio, pesquisa e formação do educador. Tais categorias emergem dos nossos registros de aulas ministradas no Curso de Pedagogia, do acompanhamento e observação do estágio, das falas dos estagiários quando narravam suas inquietações, seus medos e esperanças; enfim buscamos sempre através do diálogo compreender o dito e através de uma escuta apurada nesse sentido, entendemos o estágio como um campo que convoca as diversas áreas de conhecimento para um diálogo entre si, com o contexto, e acionar os saberes dos educadores em formação para que ampliem seu campo de reflexão, resinificam suas práticas e apontem caminhos possíveis para o avanço da qualidade do processo de ensino e aprendizagem.
Compreendemos os espaços de aprendizagem, a sala de aula como locais onde habita a complexidade, o conjunto de situações fluidas, a subjetividade, a intencionalidade, portanto muitas situações são peculiares a estes espaços e só se sucederão no mesmo. Para aprender a gerenciá-las, reestruturar, replanejar e resolver, os futuros professores precisam submergir nesse campo. Defendemos que o estágio deve oportunizar aos estudantes uma visão da realidade bem como o conhecimento do seu campo de atuação. Estabelecer elos para uma associação entre a teoria e a prática e instrumentalizá-los no sentido de percebê-lo como um espaço de pesquisa.
Sendo assim, o campo de estágio permite uma prática pedagógica refletida e a formação de um educador capaz de pensar e agir criticamente avaliando, reavaliando e ampliando seu repertório. Segundo LIMA (2004, p. 35)
Todos os conhecimentos sistematizados que adquirimos na Sociologia, na Psicologia, na Filosofia, na Economia, nas diferentes metodologias, devem ser canalizados para nosso fazer pedagógico como forma diferente de lançar luzes sobre a nossa prática e melhor compreendê-la e desenvolvê-la. Somamos a isso, os conhecimentos advindos do dia a dia do nosso trabalho e todos os outros adquiridos nas diferentes instâncias de nossa vida (família, agremiações, associações, igreja).
Assim, entendemos a prática pedagógica sobre a qual nos referimos. Vale ressaltar que, embora promova situações de valiosos e singulares aprendizados e construção de saberes, não dispensa o conhecimento teórico para que formulamos ao longo dos estudos, das leituras e das discussões em nossa formação inicial. Tais conhecimentos clarificam a intencionalidade dessa prática bem como promove a interpretação da mesma.
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Entendemos que a prática pedagógica é essencialmente política, pois abarca ações e posicionamentos de seus autores nesse caso, o educador - diante do mundo e de sua existência. Compreendemos também, que o caráter político da prática pedagógica se dá ao tempo em que a mesma contribui para ratificar estruturas vigentes ou para suscitar mudanças sociais, culturais e educativas. Buscamos em VEIGA (1994, p.16) um alicerce para essa afirmação quando infere "Entendo a prática pedagógica como uma prática social orientada por objetivos, finalidades e conhecimentos, e inserida no contexto da prática social."
Na compreensão da autora verificamos a preocupação em inserir nesse conceito a questão da intencionalidade da prática pedagógica que nos remete a campos do pensar e do agir. Embora ainda nos deparamos com a ideia do estágio
ser a "hora da prática "- como afirmamos no início desse texto, o que queremos ressaltar é que, ao mesmo tempo em que sinalizamos para a importância de que a prática seja vivenciada; é fundamental vê-la como prática social e política. Isso se dá na medida em que sabemos enxergá-la e interpretá-la à luz da teoria e fazemos sempre uma reflexão da mesma tendo a realidade como pano de fundo Afirmamos portanto, que o estágio é a "hora da prática” refletida, associada à teoria, problematizada, experimentada.
A Pesquisa da Prática e o Estágio
Compartilhamos com Pimenta(2008) quando propõe como concepção de estágio perpassada pela pesquisa, uma vez que aproxima da realidade de forma reflexiva e crítica, estabelecendo as conexões entre teoria e prática, analisando o contexto e o seu entorno bem como proporcionando reflexões sobre o trabalho docente. Ainda segundo esta perspectiva de estágio acreditamos na imersão do estagiário no campo profissional, o contato com a pesquisa e seus procedimentos científicos, momento de aprendizagem crítica reflexiva e outros aspectos.
Entendemos a pesquisa como um processo sistemático de construção do conhecimento que tem como metas principais gerar novos conhecimentos e/ ou corroborar ou refutar algum conhecimento pré-existente. É basicamente um processo de aprendizagem tanto do indivíduo que a realiza quanto da sociedade na qual esta se desenvolve. A pesquisa como atividade regular também pode ser definida como o conjunto de atividades orientadas e planejadas pela busca de um conhecimento. Acreditamos que o estágio inscreve-se aqui, quando se propõe uma atividade orientada com vistas a um momento de aprendizagem para o sujeito que nele se insere, bem como nos espaços de aprendizagem que o sujeito atua, no sentido de avançar no processo de conhecimento, por outro lado, esses sujeitos estagiários por certo vivenciaram um momento importante na pesquisa que é a observação, no qual poderão desconstruir repensar sobre a importância dessas observações sua formação.
De acordo com Demo (1997) muitos professores, atualmente, tem se portado em sala de aula como simples ministradores de aulas, sendo "fiéis" seguidores do "mero ensinar", enquanto seus alunos praticam o "mero aprender". Isso posto, convém evidenciar a importância do estágio enquanto momento da pesquisa da prática. Fala-se, argumenta-se, sobre a importância da pesquisa, entretanto pouca evidência se concede ao estágio; acreditamos que ser esse o momento inicial da formação no sentido de compreender o verdadeiro significado da práxis considerando que os instrumentos da pesquisa aí se encontram presentes.
Para o autor citado acima, inicialmente, o professor deve ser um pesquisador envolto pela capacidade de dialogar, elaborar ciência e ter consciência teórica, metodológica, empírica e prática em sua atuação. O autor também propõe que o professor deve ser um socializador de conhecimentos, o que o obriga a
divulgar sua própria "bagagem" intelectual adquirida via pesquisa.
a pesquisa no momento em que a práxis se constitui, o processo de transformação, e a teoria seria, pois, base da ação, e atividade consciente dos homens, que decorre da própria teoria. De acordo com a autora, o estágio compreende uma atividade cognoscitiva (conhecer) e teleológica (estabelecer finalidades), antecipar idealmente uma realidade que ainda não existe, mas que se almeja alcançar.
Acreditamos que o estágio não é somente uma etapa burocrática a ser cum- prida, mas uma etapa da formação que permite superar a fragmentação entre a teoria e a prática, na medida que pressupõe uma atitude investigativa, envolvendo reflexão e intervenção.
Logo não queremos dizer que o estágio é a panaceia para os entraves da formação visto que, não somos ingênuos a ponto de desconsiderar outros fatores que precisam ser contemplados no processo de formação do educador, principalmente se apontamos para a realidade brasileira. O que queremos aqui é chamar atenção para que o estágio seja compreendido em suas funções e considerado como um espaço formativo.
O Estágio como Campo de Pesquisa e a Formação do Educador
Nesse contexto, processa-se a formação do educador. Sabemos que muitos fatores interferem na prática de ensino dos educadores e não podemos circunscrever a formação destes como o único fator responsável pelo malogro ou pelo sucesso desta prática. Dentre esses fatores, podemos citar aqueles que estão relacionados com as histórias de vida dos sujeitos educadores, até questões de ordem social e política que interferem na prática educativa. Elencam-se como principais fatores, as condições de trabalho, inadequação da proposta curricular e a concepção que tem o professor a respeito do trabalho docente. Haguette (1991, p. 109) amplia essa discussão, questionando: "[...] trata-se de um bico, uma vocação ou uma profissão?", no sentido de provocar mais inquietações sobre a prática de sala de aula. Essas inquietações se estendem mais quando Pimenta (2002, p. 15) afirma que "[...] a docência requer o que é chamado aqui de desenvolvimento profissional. Envolve formação, exercício da prática, con- dições de trabalho, considerações sociais, controle e avaliações."
No Brasil, a discussão e os estudos sobre a formação inicial e continuada vêm se ampliando; além dos teóricos citados convém acrescentar André (1995); Anastasiou (1998); Catani (1986); Carvalho e Perez (2003); D'Ávila (2013); Lima Jr. (1997) e fora do Brasil podemos citar a França e o Canadá com Al- tet (2001); Charlier (2001); Lessard e Tardif (2005); Paquay (1995); Perrenoud
(1998) e Tardif (2002).
Outros autores nessa mesma linha fazem sérias críticas à Universidade pelo desprestígio impetrado aos cursos de Licenciatura. A supervalorização dos cursos de bacharelado, a supervalorização da pesquisa fez com que a Universidade passasse a se ocupar quase exclusivamente dos cursos de pós-graduação e doutorado, deixando para as faculdades isoladas, públicas e privadas cuja maioria funciona em condições precárias e de qualificação discutível. Desta forma, a Universidade vem se omitindo diante de uma importante função - a formação de professores e profissionais para atuar na educação.
Compreendemos que a qualificação do educador está muito distante do ideal, do necessário e, mesmo, do urgente, principalmente do professor dos anos iniciais do Ensino de Nove Anos. Percebemos ainda o processo de aviltamento e descaracterização da profissão do professor quando observamos as perdas salariais, que constituem um grande problema para a categoria. Essa situação desencadeia movimentos e lutas por condições dignas de trabalho. Consequentemente, gera grandes conflitos que comprometem a qualidade do trabalho docente e da escola.
Nesse contexto, percebemos a importância de se repensar a formação do educador e a função social da escola. Compreendemos a importância de pensar sobre a formação inicial e continuada, entendendo que estas não se encerram com o recebimento do diploma do Curso de Magistério. Precisamos de um educador qualificado que associe os saberes e experiências aos saberes da teoria. A formação inicial e continuada de educadores constituem, assim, uma necessidade, uma exigência. Nesse momento da história, rompemos com o termo "reciclagem" e inauguramos um novo "vocabulário" a formação em serviço, que posteriormente tem força de lei.
Sendo assim convém retomar o papel do Estágio supervisionado no curso de Pedagogia, se por um lado a legislação nos impõe um modelo muitas vezes baseado na racionalidade técnica, por outro lado faz-se necessário que o futuro pedagogo compreenda o significado do mesmo na sua formação, a importância da unidade teoria e prática, problematize e não veja apenas como justapostas ou dissociadas. Dessa forma concordamos com Saviani (1983, p.74) quando afirma que problematizar a prática trata-se de detectar que questões precisam ser resolvidas no âmbito da prática social, e em consequência, que conhecimento é necessário dominar questões.
Em decorrência desse pensar e da exposição sobre as categorias que elegemos nesse texto, discorreremos a seguir sobre a pesquisa da prática através do estágio, inicialmente trazemos o conceito de pesquisa e de pesquisa da prática.
Considerações Finais
Para compreender o estágio curricular supervisionado enquanto um campo de reflexão e pesquisa, tentamos neste estudo primeiramente discutir algumas categorias que sobressaltam de forma natural durante o trabalho com o mesmo. A partir dessas discussões é que vamos construindo a teia e, consequentemente, a visão complexa desse espaço formativo tão necessário e rico. Assim, voltamos para a questão movente desse estudo: como o estágio curricular supervisionado contribui na pesquisa da prática e na formação do professor?
Acreditamos que ninguém pode se tornar professor sem compreender a dimensão desse processo de formação. O estágio possui um sentido filosófico, sociológico e político, sentidos estes que o professor em formação precisa conhecer e decidir sobre que tipo de postura deve apresentar em relação a cada um. Que concepção de ensino, de planejamento, de metodologia; qual a teoria, a abordagem teórica que irão embasar a sua prática enquanto profissional - tais questões são de extrema importância.
Durante o estágio, os saberes sobre o ensinar ficam claros quando os educadores em formação buscam um modo seu, peculiar, de orientar a aprendizagem dos alunos e criar ambientes mais formativos entre docentes e estudantes. Nós acreditamos que essa seja a razão de ser da prática reflexiva e pesquisadora, na qual o educador deve levar sempre em conta, em consideração, a cultura e os saberes dos estudantes, em função dos seus valores e dos conhecimentos a serem construídos.
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